quinta-feira, 16 de outubro de 2014



ASSUMINDO MEU "EU" - Esther Rodrigues

Durante uma aula sobre o gênero literário "romance" numa de minhas turmas de nono ano do ensino fundamental, propus aos alunos a seguinte pergunta: "SUA VIDA DARIA UM ROMANCE?". Essa indagação nasceu da lembrança de algo engraçado que ocorreu na faculdade, há muitos anos: a professora de literatura japonesa disparara, a uma amiga minha que estudava na mesma classe, a sentença: "AH, MINHA FILHA, SUA VIDA NÃO DARIA UM ROMANCE...". Eu não me lembro das circunstâncias que levaram a mestre, sempre tão doce e paciente, a disparar tal declaração...mas ficou eternizada. E trouxe a questão à baila: ora, se há romances de tantos tipos como há seres e vidas de tantos tipos, pensemos... nossa vida daria um romance? E de que tipo seria? A turma 902 do CIEP Raul Ryff topou o desafio de se analisar e responder tal questão, mediante uma justificativa na forma de um texto narrativo. Foi assim que nasceu o texto que trago hoje... com a palavra, Esther Rodrigues, cujas especialidades são as crônicas e os contos. Além disso, é um raro caso de aluno que não hesita em fazer apresentações orais como palestras e seminários: por cantar na igreja que frequenta, Esther tem muita desenvoltura ao falar diante do público, ainda que seja relativamente tímida. Veremos de que forma a decepção levou uma menina a assumir seus cabelos, o que ocasionou não só uma mudança estética, como também em sua maneira de encarar a vida.


ASSUMINDO MEU EU

Tudo começou quando éramos bem pequenos, e quando eu digo "éramos", estou falando de mim, que me chamo Nanda, e Daniel. Nós tínhamos 9 anos.
Eu o conheci na Igreja, quando ele entrou para o grupo de estudos dominicais de que eu participava. Não o achava muito bonito, ao contrário da minha amiga Drika, que achava Daniel um gato!
De tanto a Drika falar dele, acabei mudando minha opinião sobre o menino...
Num certo dia, no ensaio da Igreja, nós fomos apresentados, e eu, sob influência da Drika, me senti impulsionada a chamar Daniel para brincar.
- Oi, vo-cê...quer...brin...car co-mi...comigo? - perguntei, gaguejando sem parar.
Ele respondeu que sim, e segundos depois começamos a brincar.
A partir daí, eu e Daniel não nos largamos mais.
Um certo dia, já meio que crescidos, com 12 anos, durante um ensaio, Drika me perguntou:
- Amiga, você gosta de alguém?
Eu, na maior inocência, respondo:
- Não...não gosto de ninguém, vamos brincar!
- Fala, não vou contar pra ninguém.
- Ah! Eu... eu gosto do...
- ...do...?
- ...do Daniel.
Para minha surpresa, Drika correu até Daniel e contou a ele, não só que eu gostava dele, mas que eu queria beijá-lo ali, naquele exato momento. E era mentira!
- Eu não! Deus que me livre, ficar com essa garota. Que nojo! - Disse ele. E virou-se para mim - Eu nunca vou beijar você, você é feia.
O mundo havia caído sobre a minha cabeça. Aquele era o primeiro problema, a primeira decepção da minha curta vida. Além de ser traída pela minha melhor amiguinha, ganhei um fora do garoto dos meus sonhos. Eu estava sendo humilhada na frente de todos! Muitas pessoas riram de mim naquela hora. Deu vontade de chorar, mas me segurei.
Algumas amigas que estavam ali por perto me puxaram e me livraram daquela situação. Foi então que uma lágrima desceu pelo meu rosto.
Junto com aquela lágrima, aquele momento levou toda a minha inocência, e toda fé que eu tinha no amor. Chorei muito naquele dia e jurei para mim mesma que nunca mais iria chorar de novo por ele.
Dito e feito; mudei completamente depois deste episódio.
Passei por uma mudança não só psicológica, mas física também.
Resolvi entrar em uma "transição capilar", que é o período por que o cabelo passa até voltar ao que era antes. Eu usava o cabelo alisado, passava um monte de química para ele ficar liso, mas depois daquele dia, eu resolvera voltar a ser quem eu era. Voltar a usar meu cabelo natural.
Depois de 9 meses cortando as pontas lisas do meu cabelo e deixando a raiz crescer naturalmente, voltei a usar "black".
Foi mais que uma mudança de cabelo, foi uma aceitação de quem eu era, foi assumir minha identidade.
Nós fizemos 14 anos. O tempo passou, eu cresci, evoluí, e hoje a história mudou de lado.
Hoje quem me quer é ele.





Escrito por Esther Rodrigues
CIEP 312 Raul Ryff
Turma 902
Em setembro de 2014

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